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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Contemporânea - 1ª. República (1910-1926)

Formação nas Empresas  

A formação realizada nas empresas era muito diversificada em condições e métodos. As grandes empresas possuíam  verdadeiros centros de formação profissional e às vezes escolares.

O Arsenal do Alfeite, por exemplo, possui desde pelo menos 1858 uma estrutura própria de formação "articulada" com o  ensino oficial, já em 20 de Dezembro deste ano, o ministro da Marinha afirmava já no parlamento:

       "O estabelecimento de uma aula de instrução primária no Arsenal da Marinha , na qual recebem  ensino os numerosos aprendizes que trabalham neste estabelecimento , era uma necessidade. Os operários não podem bem desempenhar os melhoramentos introduzidos em todos os artefactos aplicáveis ao serviço da marinha, sem que tenham os indispensáveis princípios elementares. Neste propósito acha-se já funcionando umas aulas de instrução primária, dirigida por um hábil professor indicado como próprio para esse mister pelo comissário dos estudos nesta capital. A dita aula tem sido frequentada  por perto de 160 alunos, os quais, na sua maioria, pertencem ao Arsenal da Marinha, e alguns deles, não poucos têm dado suficientes provas de aproveitamento" ( Relat. do Ministro da Marinha e Ultramar apresentado ás cortes na sessão legislativa de 1858 e 1859).

O êxito desta iniciativa, rapidamente se traduziu em novas iniciativas, e em 1862, esta escola leccionava já um leque de cursos muito amplo: "instrução primária, aritmética, mecânica e noções de máquinas de vapor, desenho e princípios de perspectiva , adicionou-se uma cadeira de francês" ( relatório de 12 de Janeiro de 1863). A  frequência da escola ascendia já a 188 alunos, tendo 62 realizado exames, 42 ficaram aprovados e 3 foram mesmo distinguidos.

Em 1868, pelo decreto de 30 de Dezembro, artigo 46 e 47. , a Escola passava para a dependência da Escola Naval, reorganizava-se, fixando novas condições de admissão. O desenvolvimento desta escola irá prosseguir, sendo durante anos e anos um marco no domínio da formação profissional nas empresas.

Durante a I Republica, o Arsenal da Marinha revelou desde logo possuir uma sistema bastante consistente em termos de formação do seu pessoal. A nota mais saliente é já a sua articulação com o ensino industrial ministrado pelo Estado:

        "A admissão do pessoal operário era feita quase exclusivamente pela via do aprendizado e, em todo o caso, eram exigidas determinadas "habilitações literárias" , no mínimo a instrução primária.

      "Tirando o caso dos serventes , escreve João Freire,  que desempenhavam apenas trabalhos  auxiliares de limpezas , transportes , etc., os aprendizes que ingressavam no arsenal faziam-no para uma determinada especialidade profissional, á qual ficavam vinculados para o resto da vida: era-se carpinteiro de branco ou de machado, ou serralheiro civil, ou torneiro mecânico, ou caldeireiro --- por profissão. E cada profissão correspondia fundamentalmente a uma grande secção do Arsenal, a que se dava o nome de "oficina".

       " Entrava-se como aprendiz e tinham de se galgar as quatro classes que compunham o aprendizado . O mínimo tempo de estada em cada uma era de 6 meses, mas raramente se baixava do ano. Por outro lado, não se tratava de promoção por antiguidade, mas sim de avaliação da capacidade profissional adquirida. Assim, para além da informação - decisiva - dos oficiais com quem trabalhavam, aos aprendizes eram exigidos exames de passagem e a frequência da escolaridade do curso industrial, ou equivalente, de modo que o jovem só poderia passar a oficial com as "necessárias habitações literárias e cientificas", ou seja , com o curso industrial completo da sua especialidade." Este facto irá levar ao abandono do Arsenal de inúmeros operários ao fim de alguns anos.

     

Problema da Aprendizagem nas Fábricas

O conceito de aprendizagem, como o de aprendiz, nunca foram claramente definidos. O regime de aprendizagem só começou a adquirir contornos nos Regimentos no final do século XV, mas não se pense que assumiria um carácter preciso. Em geral não passava da fixação de um tempo que obrigava um mestre a assumir um aprendiz. O conteúdo da aprendizagem ficava ao critério do mestre. 

Durante a primeira Republica a situação dos aprendizes, e da própria aprendizagem começou a isolar-se como um problema social que havia que dar uma resposta.

Em Janeiro de 1912 escrevia-se na revista Lumen, que entre nós o conceito de aprendizagem era algo muito distinto, na Lei ou na Realidade:

         "Aprendizagem - Na letra do Código Civil é o contrato que se celebra entre maiores, ou entre  maiores e menores devidamente autorizados , pelo qual uma das partes se obriga a ensinar á outra uma industria ou um oficio. Na prática é uma forma de exploração da infância. Actualmente , a troco d'um mísero salário, por vezes mesmo sem salário algum, o aprendiz é, em todos os ofícios, empregado nos misteres mais diversos: faz recados, varre a casa, vai buscar água, leva bofetões, pontapés, puxões  d'orelhas , vergastadas, é tratado desroavelmente de insultos , entre obscenidades ".

Entregue a si próprio o aprendiz , não tem defesa possível contra as arbitrariedades, nem em caso de qualquer acidente. Apenas em 1890 , surge em Portugal a primeira legislação de protecção aos aprendizes, o decreto de 10 de Fevereiro de 1890; seguindo-se depois a lei de 7 de Agosto de 1890 e o decreto de 14 de Abril de 1891; Estes diplomas inspiravam-se directamente na célebre Conferencia Internacional de Berlim de 1890, a qual havia enunciado os princípios básicos que deveria obedecer a legislação sobre esta matéria, mas onde o conteúdo da aprendizagem nem sequer é considerado. A preocupação dos legisladores centravam-se apenas ao nível das condições do trabalho dos menores, tais como: equiparação do trabalho com a força do menor; o período de trabalho e o descanso diário semanal; a obrigação de frequência escolar; a proibição do trabalho nocturno, subterrâneo, perigoso ou insolubre; a vigilância a exercer sobre os menores quanto á segurança , á saúde física e moral e aproveitamento escolar, cujo controle seria exercido por um serviço de inspecção adequado.

Anos depois, em 16 de Março de 1893 e em 1895, voltava-se a legislar sobre assunto:

Em 1893, quando Bernardino Machado estava á frente das Obras Publicas , procurou sobretudo instituir um sistema de recolha estatística sobre o trabalho nas oficinas. Em relação aos menores de dez a doze anos, a lei limitava-se a impedir a sua admissão em estabelecimentos industriais desde que frequentassem escolas publicas ou particulares. A partir desta idade, e no caso de o fazerem estariam sujeitos á vigilância de um inspector que controlaria o seu aproveitamento escolar...

Em 1895 proibia-se a aplicação de castigos corporais , bem como esforços fisicos de carga ou ás costas, superiores a 10 ou 15 kg, ou esforços violentos, ainda que momentâneos.

Na prática estas medidas não passavam do papel, a prática corrente entre nós foi sempre a exploração do trabalho dos menores.

Apenas em 1919, por exemplo, com o Decreto n. 5637, de 10 Maio de 1919, foi contemplada a grave questão das deficiências adquiridas durante a aprendizagem, responsabilizando-se a entidade patronal pelo sucedido com os menores ao seu serviço.

As relações dos aprendizes com os mestres nunca foi pacifica : as queixas de maus tratos são um longo rosário sempre bem actualizado. A fuga dos aprendizes era uma constante.  A aprendizagem estava profundamente inserida no mundo do trabalho, obedecia as mesmas leis de exploração . Para o patronato a formação dos aprendizes funcionava, muitas vezes como uma forma de pressionar os mestres a aceitarem condições que lhes impunham, pois se não as aceitassem poderiam ser mais facilmente substituídos. Para os mestres e ajudantes a formação dos aprendizes era uma ameaça para o seu próprio futuro. 

Em 1913, o assunto foi particularmente discutido no I Congresso Nacional Corporativo da Industria de Calçado , a 3. Tese então apresentada fazia o ponto da situação:

       " A aprendizagem é um dos factores que concorrem para a grande crise que está latente , pois  que o oficial que tem a seu cargo um aprendiz , não lhe ensina o oficio, mas sim o põe apto a palmilhar e pontear , com prejuízo de todos os outros. E fácil é de ver que uma grande parte dos oficiais  que  tem como seus auxiliares aprendizes e os chamados ajudantes , o que dá em resultado produzir mais do que compete, ( por exemplo) o oficial por si produz um par por dia, mas juntando a si o aprendiz, que em lugar de aprender trabalha como um explorado, aumenta essa produção que dá lugar á falta de trabalho para outros".

O que estava em jogo não era apenas a utilização do aprendiz como força de trabalho barata, era igualmente a qualidade da própria aprendizagem, dado que a mesma se submetia a todo um sistema que começava na casa e terminava na fábrica:

        "O aprendiz actualmente não vai por tendência aprender qualquer oficio. A maioria das vezes são os pais que escolhem o oficio que os filhos hão-de aprender, tendo sempre em mira aquela que mais depressa lhe possa auferir lucros; o mesmo caso se dá com o oficial-mestre que tome conta do aprendiz para o ensinar, o que menos faz, pois que a condição da maioria dos oficiais-mestres , não tem o intuito de ensinar , mas sim de explorar, o que dá em resultado que profissionalmente é também prejudicial.

        " Em regra ao oficial -mestre não convém ensinar mais que o necessário para lhe tirar maiores lucros, o que dá lugar a que quando o aprendiz se quer emancipar do mestre, ou seja do primeiro explorador, não estar habilitado a fazer o par com perfeição , e assim oferecer o seu trabalho por mais baixo preço, dando lugar ao industrial mercadejar com operários, como escravos."  

Em construção !

  Carlos Fontes

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Notas: