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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

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Idade Contemporânea - I República (1910-1926)

Ensino de Engenharia

Pouco depois da implantação da República procedeu-se à reforma do ensino de engenharia ministrado nos Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto. Os  dois Institutos foram tratados de modo diferenciado.

1. Em Lisboa dois motivos foram então evocados[1] para a necessidade da reforma:

A elevada taxa de alunos repetentes nos cursos gerais para engenheiros industriais. Situação que era atribuída a uma insuficiente preparação dos alunos que provinham dos Institutos Industriais [2].

O governo pretendia pretendia fazer da Escola do Exercito, um estabelecimento só para militares. Ora, neste estabelecimento do Ministério da Guerra tiravam-se os cursos de engenharia civil e engenharia de minas. A  novel Republica pretendia que os mesmos fossem dados neste Instituto, e assim veio a acontecer.

A criação do Instituto Superior Técnico, em 1911 [3], a partir do antigo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa pretendia realizar este objectivo, mas no elenco dos seus cursos continuaram a pesar os preparatórios para as carreiras superiores militares. 

O novo plano de estudos marca um enorme salto qualitativo em relação ao anterior Instituto Industrial, passando a existir um curso geral de engenharia de três anos[4], e cinco cursos superiores especiais de dois anos: engenharia civil ( pontes, estradas, edificios, etc); engenharia mecânica; engenharia electromecânica; engenharia químico-industrial e engenharia de minas.

Findo esta formação os alunos deveriam realizar um tirocínio num estabelecimento do Estado ou particular, sujeitando-se depois a um exame de estado. Este ponto foi profundamente contestado ao longo dos anos.

Em 1921 foi de novo regulamentado[5], mantendo os cursos mas aumentando a duração dos cursos para seis anos, reformando-se polémico tirocínio. 

O IST passou então para a dependência do Ministério do Comercio e Comunicações por breves anos.  Até aos anos 60 muito poucas alterações de fundo se registaram nesta estrutura[6].

Quando as suas aulas se iniciaram no ano lectivo de 1911-1912, logo se impôs um gravíssimo problema para o seu regular funcionamento, as suas deficientes instalações. Situação que só será superada em 1935, com a construção das actuais instalações[7]

2. No Porto, em 1911 em anexo á nova Faculdade de Ciências foi criada uma Escola de Engenharia Civil, que continuou com os antigos cursos da Academia Politécnica. Apenas aos alunos foi concedido a livre frequência ás aulas, que se veio a traduzir numa péssima medida. Em 1915 esta Escola sofre uma importante reforma. 

Pela Lei Orçamental n. 410, de 31 de Agosto de 1915 foi mandado organizar uma nova Faculdade no Porto, denominada Faculdade Técnica. Nesta Ficaram estabelecidos os mesmos cursos que já existiam no IST em Lisboa[8]. Estes cursos tinham no entanto ( ?) a duração de seis anos, sendo três de preparatórios na Faculdade de Ciências e três de ciências aplicadas na Faculdade. O Curso preparatório era comum, e  assentava no ensino de matemática, física e desenho. O numero de cadeiras de engenharia passou de 8 para 29, o que constituía uma avanço extraordinário ao tempo.  As aulas iniciaram-se logo no ano lectivo de 1915‑1916.

Em 1918 é estabelecido um novo estatuto universitário[9], e corrigida a organização da Faculdade[10], aumentando o numero de cadeiras para 32. Um facto importante foi o ter-se então consagrado a possibilidade dos laboratórios da Faculdade pudessem trabalhar para o exterior, o que estreitou as ligações desta com as empresas da região[11]. O novos regulamento de 1921 pouco altera este quadro[12]

A Faculdade Técnica a partir de 17 de Dezembro de 1926 esta Faculdade passou a denominar-se Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto[13], denominação consagrada depois a 26 de Julho de 1930. 

3. Em Coimbra estabeleceu-se em 1918 uma efémera Faculdade de Engenharia, mas que nunca chegou a funcionar. Apenas em 1972 será nesta Universidade criada a Faculdade de Ciências e Tecnologia, contemplando o ramo da engenharia.

O número de alunos dos estabelecimentos  de Lisboa e Porto, nunca foi elevado durante a República. Apenas em  1917 se diplomaram os primeiros engenheiros, dois, em Lisboa. Até ao 28 de Maio de 1926 só se formaram 373 possíveis técnicos de nível superior, sendo 294 em  Lisboa e 79 no Porto. 

A confusa situação da Republica levou á passagem administrativa de inúmeros alunos, sem que os mesmos tivessem prestado provas adequadas[14]. Com as novas instalações em 1935 o IST, e em 1937 a Faculdade de Engenharia do Porto, começou a adquirir um novo impulso. O IST registava já em 1940 um total de 442 alunos, e em 1960 este número atingia os 1077.

Em 1926 , o estatuto profissional dos engenheiros  civis foi finalmente clarificado [15],mas de um modo que pós em causa o estatuto dos "engenheiros auxiliares". Nos trinta surgirá para fiscalizar esta actividade profissional a Ordem dos Engenheiros. O aumento dos engenheiros estrangeiros ter-se-á feito sentir nos anos 40, levando alguns a reclamar a sua expulsão das empresas[16]. A situação não era nova, mas a exaltação nacionalista e corporativa conduzia a estes extremos.

O ensino de engenharia tal como foi definido pela República cedo se foi revelando desfasado das novas exigências técnicas. A reforma de 1944 [17], pouco adiantou.

As criticas mais frequentes a este ensino estavam longe de serem unânimes: os "não engenheiros" afirmavam que os cursos eram demasiado longos ( seis anos) e muito teóricos, ao que respondiam os engenheiros com a necessidade de uma formação cada vez mais cientifica[18]. Mas também os criticavam por serem demasiado genéricos, como acontecia no caso da engenharia civil. Neste área, acentuavam-se ano após ano novas ramos de actividade mais especificas , mas que não encontravam na sua formação académica qualquer formação particular: estruturas; betão armado; betão pré-esforçado; hidráulica, etc, perdendo-se o aluno em generalidades. A especialização obtinham-na os engenheiros depois empiricamente nas empresas[19]. Criticas idênticas são uma constante em 1962, quando é analisado em Congresso o Ensino de Engenharia em Portugal[20].

Outra critica de fundo, extensível a todo o ensino superior, afirmava a reduzida utilidade pratica deste ensino para as empresas. No ramo da engenharia mecânica, ainda em 1969 só uma pequena percentagem de engenheiros diplomados exercia uma actividade técnica compatível com a sua formação . Frequentemente exerciam funções para as quais estavam sobre-qualificados, apenas contando no cargo  que exerciam o titulo que possuíam.

     "Se entre nós, os engenheiros ( mecânicos) exercessem verdadeiramente a profissão, o nível cientifico e tecnológico para que foram preparados, teríamos concerteza uma industria de nível excepcional e seriamos citados como exemplo para todo o mundo".(...).

      "Mas somos um país de títulos; e a muitos industriais não interessa a formação ou o contributo á melhoria da produção que lhes pode trazer um engenheiro, mas sim o titulo. O titulo é algo que ajuda a vender muitas vezes um produto de qualidade menor".(...)"No estrangeiro existem engenheiros sem titulo, em Portugal, existem títulos mas não existem engenheiros"[21]

Para além destes engenheiros, haviam ainda os engenheiros agricolas [22] ,e em 1921 os engenheiros geógrafos nas Faculdades de Ciências das Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra[23].  

Em construção !

  Carlos Fontes

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Notas:

[1] Alfredo Bensaude,          

2] A Escola Preparatória Rodrigues Sampaio, ministrava um curso de apenas três anos de estado. António Arroio já havia chamado a atenção para esta situação, no seu Relatório sobre o Ensino Elementar Industrial e Comercial, Lisboa.1911, pag.85

[3] Decreto com Força de Lei de 23 de Maio de 1911. O legislador ter-se-á inspirado nos Institutos congéneres alemães. O seu primeiro director foi o ilustre Dr. Alfredo Bensaúde, professor de mineralogia e geologia e ultimo director do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. A quem coube aliás elaborar o projecto de Reforma por indicação do ministro Brito Camacho

[4] Inicialmente a duração foi de dois anos, em Janeiro 1918, por determinação do ministro Alfredo Magalhães, passou para três anos. Uniformizando-se assim a formação com a Faculdade Técnica do Porto.

[5] Decreto n.77 27, de 6 de Outubro de 1921

[6] Apenas se assinalam as seguintes alterações: Em 1921 foi o IST integrado na dependência do Ministério do Comércio e Comunicações, passando em 1931 para a Universidade Técnica de Lisboa, que ficava na dependência da Direcção -Geral do Ensino Técnico do Ministério da Instrução Publica. Em 1955 os novos Planos de Cursos de engenharia professados nas Universidades ( decreto n.40.378), passam a conceder o grau de doutor, realizando-se assim uma velha aspiração destas escolas superiores

[7] Em 1911 o IST ocupava umas exíguas e velhas instalações do Instituto Industrial e Comercial , na Rua da Boavista. Este facto impediu desde logo o funcionamento dos cursos preparatórios para o IST. Mudou-se depois, provisoriamente para a Escola Industrial Marques de Pombal ( ?). 

Em 1924, Duarte Pacheco foi nomeado director do IST, e desde logo se dedicou á tarefa de resolver a questão. Em Julho de 1927 iniciaram-se finalmente as obras de desaterro para a construção dos novos edificios , sob a direcção de Duarte Pacheco, cabendo o projecto ao arquitecto Profirio Pardal Monteiro, igualmente professor do IST, e ao engenheiro José Belard da Fonseca, responsável pelos Estudos  de "cimento armado". 

[8] Decreto n.2103, de 25 de Novembro de 1915

[9] Decreto com Força de Lei n.4554

[10] Decreto n.5047, de 30 de Novembro  ( D:G. 11.XII.1918.1. Série)

[11] Esta Faculdade possuía os seguintes Laboratórios: Laboratório de Física, de Química Analitica, de Quimica Tecnológica, de Ensaios de Resistência de Materiais, de Docimésia, de Metalurgia, de Máquinas, de Electromecânica, de Hidraulica. Para além destes possuía um Gabinete de Trabalhos Práticos de Economia Social e Legislação, Oficinas de Carpintaria, Serralharia, Electrotecnia e Instrumentos de Precisão.

[12] Decreto n.7332, de 29 de Janeiro de 1921

[13] Decreto n.12 696

[14] Alfredo Bensaude, ob.cit.

 [15]  A questão dos titulos prendia-se com o problema dos estatuto profissional dos diplomados pelo IST e Faculdades Tecnica do Porto, e os dos Institutos Industriais. Todos reclamavam , como ainda hoje, o titulo de engenheiros. Em 1924 ( Dec. Lei n. 1638, de 23 de Julho de 1924, o titulo de "condutor" datado de 1853, fora substituído pelo de engenheiro auxiliar nos Institutos Industriais. O Decreto n.11.988, de 26 de Julho de 1926,regulamentava o uso do titulo de "engenheiro",deixando de poder ser usado por alguns diplomados pelos Institutos Industriais. A designação de "engenheiro auxiliar" foi substituída pela de "agente técnico de engenharia". Sucessivos diplomas foram desvalorizando a posição destes últimos diplomados, ou pura e simplesmente ignorando-os. 

A reforma de 1931 do Ensino técnico, restabeleceu o titulo de "condutor", em vez de "engenheiro auxiliar".A questão atinge então o rubro, com o Grémio Tecnico Português a pedir a extinção dos Institutos Industriais face á situação deplorável em que estes diplomados já se encontravam. Cf. Grémio Técnico Portugues,"Elementos de Estudo Sobre a Actual Situação dos Diplomados Pelos Antigos Institutos Industriais e Bases para a Resolução dos Problemas Pendentes, Julho de 1936.

[16] Fernando J. B. Barreto e Costa, Tecnicos Estrangeiros ao Serviço da Industria Nacional. 2. Congresso Nacional de Engenharia . Lisboa.1948

[17] Decreto n.33.863, de 15 de Agosto de 1944

[18] Ver Alfredo Bensaude,ob.cit,

[19] Adolfo Maria da Cunha Amaral, as Escolas Portuguesas de Engenharia e a sua Missão em Face das Actuais Necessidades Técnicas do País. 2. Congresso Nacional de Engenharia. Lisboa.1948

[20] . I Congresso do Ensino de Engenharia. Lisboa.1962.

[21] Domingos Delgado, in, Evolução e Tendências do Ensino de Engenharia ( Evolução da Engenharia Mecanica em Portugal). Lisboa.IST.1969. Separata n. 384, de "Técnica", Rev. dos Alunos do IST.

[22] Decreto de 7 de Maio de 1912 e DL de 5 de Junho de 1913

[23] Decreto n.7314, de 15 de Fevereiro de 1921