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História da Formação Profissional e da Educação em Portugal

Carlos Fontes

 

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Período Medieval 

Rei, Concelhos, Igreja

As pequenas oficinas dos "mesterais", e em geral todos  aqueles que exerciam um "mister", fossem eles lavradores, pedreiros, boticários, cirurgiões, parteiras ou simples serviçais, todos onde quer que trabalhem fazem-no sob o olhar vigilante dos que tem a função de os "protegerem " ou "orarem pela salvação dos homens". É do seu trabalho dos primeiros que surgem as coisas que uns e outros desfrutam. Um aprendiz, como um mestre estão ambos submetidos aos mesmos olhares, e devem participar sob formas diversas em manifestações publicas de obediência.

Desde o inicio da nacionalidade uma rede complexa deveres definidos pelos monarcas, os concelhos e a Igreja subordina todas os oficios profanos. Os interesses muitas vezes são contraditórios, mas todos são bem visíveis no tecido social.

1. Os primeiros monarcas procuraram sobretudo controlar as comunidades locais organizadas, não apenas nomeando os seus representantes na sua administração ( alcaides, meirinhos, corregedores...), como intervindo directamente no seu funcionamento, cobrando impostos, alugando tendas aos mesterais, estabelecendo oficinas próprias, protegendo grupos sociais específicos, regulamentando actividades produtivas. Era o Estado que começava a emergir.

No Foral de Lisboa de Afonso Henriques, datado de 1179, estabelecia-se que aqueles que sendo mesteirais, ferreiros ou sapateiros e vivessem dos seus oficios e não tivessem casas, deveriam ir para as tendas do Rei pagando-lhe o tributo devido.

Os mesteres constituíram uma das preocupações centrais dos monarcas na vida local. A iniciativa régia, devem-se inúmeras medidas sobre os mesteres, como a fixação de preços, arruamentos[1], examinação dos novos mestres [2], regras para o recrutamento de aprendizes, condições de aprendizagem, etc.  Medidas que vão engrossando com o tempo, e que mais tarde, estarão na base dos regimentos das corporações.

 

 2. Os Concelhos não deixam de manifestar os seus interesses próprios, tendo á sua frente desde o inicio da monarquia, não mesteirais, o "povo miúdo", mas os diversos estratos da nobreza, o clero, os grandes mercadores e todos aqueles que desempenhavam cargos públicos.

  O controle da actividade dos diversos mesteres pelos concelhos constituía naturalmente uma preocupação permanente, pois deles  provinha boa parte do trabalho produtivo da sociedade do tempo. Um dos primeiros documentos a tomada de medidas nos concelhos sobre os mesteres data de 1145: Neste ano em assembleia, os homens -bons da cidade de Coimbra, elaboram já um vasto conjunto de "posturas" sobre o abastecimento das cidade, policia dos pesos e medidas, regulamentação do exercício dos mesteres, fixação dos preços, condições de venda, realização do mercado, etc.

  José Mattoso precisou quais eram as principais intenções que os concelhos nos séculos XII e XIII, manifestavam face aos mesteres:

   -- Punir severamente todos os que realizassem trabalhos defeituosos. "O ferrador era severamente castigado se as ferraduras se partiam em pouco tempo. Multas do mesmo género eram aplicadas ao telheiro cuja telha se partia antes de um ano"(... ) "Os mesteirais eram em geral ameaçados de pagar um meravidi se fizessem mal o seu trabalho"[3].Defesa do cliente ou da oligarquia que dominava os concelhos? A resposta não é fácil dar.

  -- Procura-se delimitar o âmbito de actividades de cada oficio. O peliteiro não podia tingir as peles de cordeiros e coelhos, o carpinteiro não podia trazer ripas ao açougue[4].

  -- Protege-se certas oficios já instalados , em relação a outros que se começam a estabelecer, ou foram-se mesmo monopólios locais. Certas prescrições sugerem mesmo já a adopção de medidas proteccionistas. Em Santarém, nos costumes declara-se "que quem tem uma adega pode reclamar contra os tecelões e ferreiros que pretendem fazer casas aí perto" porque os prejudicam [5], estas prescrições foram seguidas igualmente em Beja. Em Coimbra em 1145 só os ferreiros podiam vender ou comprar ferro, "o que pressupõe que tinham o monopólio, tanto da comercialização das alfaias como da matéria prima".

Mas apesar destas tendências comuns, o tratamento dos mesteres é muito diferenciado por todo o pais, de acordo com os interesses de quem predominava nos concelhos.

 Os concelhos tinham estruturas próprias de fiscalização dos mesteres e seu policiamento, eram  os"almotacés". Com o aumento do numero de mesteres e da actividade económica, impôs-se já no século XIV o reforço desta policia económica, encarregada de fiscalizar o cumprimento das deliberações da assembleia dos concelhos. Surgiram então, os almotacés maiores e os almotacés -menores, e os "vedores".

Os vedores eram os representantes eleitos ou nomeados pelos mesteres nos concelhos mais importantes do pais com a missão de reforçar os orgãos de fiscalização municipal.  As funções dos vedores eram diversas, indo desde os pareceres sobre tabelamentos de preços propostos pelo rei, a assegurarem a boa ordem dentro da profissão .Parece que se tem exagerado bastante sobre a intervenção destes vedores e de outros representantes dos mesteres nos concelhos ou nas cortes, procurando ver-se aqui a afirmação de uma estrutura corporativa embrionária. As opiniões estão longe de serem unânimes entre os estudiosos do assunto. 

Com carácter mais autónomo, só a partir de 1385 em Lisboa, depois no Porto, Guimarães, Coimbra, Santarém, Evora e Tavira iremos encontrar representantes eleitos dos mestres nos orgãos municipais. Mas mesmo assim, a presença destes nos orgãos municipais nunca foi pacifica, pois sempre contou com uma aberta oposição dos grandes mercadores, do clero, da nobreza e dos "privilegiados " nos diversos concelhos.

Face a estas duas entidades, os diferentes mesteres procuravam defender os seus direitos e criarem formas próprias de entre - ajuda. O processo como o fizeram foi sempre tortuoso, como veremos.

3. A Igreja teve face aos mesteres uma posição muita activa. Cobra também os seus impostos, o dizimo, controla as Confrarias onde participam ou são obrigados a faze-los os mesterais, e por ultimo exige uma manifestação publica de reverencia na procissão do "Corpus Christi".

  A famosa Procissão do Corpo de Deus foi estabelecida por Urbano IV, por Bula de 11 de Agosto de 1264. No reinado de D. Afonso III, em 1387, já saía ás ruas com todo o aparato. O que tornou famosa esta procissão era contudo a sua participação obrigatória dos diversos oficios mecanicos, com as suas invenções, bandeiras, carros, alegrias e também danças. Nos principais centros urbanos do país, todos os anos, a Procissão do Corpo de Deus era a manifestação mais viva da emulação dos diversos oficios sob o tutela da Igreja[6]

Carlos Fontes

Navegando na Educação

Notas:

(1 )  A obrigatoriedade dos arruamentos dos mesteres, segundo Marcelo Caetano, apenas iniciou-se em 1391, quando D. João I estando em Évora, concordou com uma solitação da Câmara de Lisboa, nesse sentido, sendo a Lei datada de 5 de Junho de 1391. "O Arruamento não resultou, afirma Marcelo Caetano, portanto, como alguns creem , de um movimento espontaneo: foi, em Lisboa, como por toda a parte, uma resolução da politica municipal, imposta pelos orgãos citadinos com o apoio da autoridade régia".in,Hisória do Direito Portugues. Verbo. 2. Edição.pag.500.  

(2 )  Os monarcas nomearam ao longo dos tempos diversos representantes seus com a função de examinarem os novos mestres, e passaram a respectiva carta de exame, como os "cirurgiões-mor", "engenheiros-mor","borzeguieiros-mor",etc.

(3 ) J. Matoso, ob.cit. Pag.446

(4 ) J.Matoso, ob.cit.pag.446

( 5 ) J. Matoso, ob.cit.pag.366

(6 ) Sobre esta Procissão existem inúmeras descrições, e algumas paginas de literatura muito belas. Alexandre Herculano, O Monge de Cister; "Regimento da Festa do Corpo de Deus, de Coimbra de 1517; Pedro Ribeiro, em Dissertações Chronologicas, reproduz o Regimento desta Procissão na Cidade do Porto, em 15 de Julho de 1621; Fr. Claudio da Conceição, no Tomo XI, do Gabinete Histórico", descreve-a tendo por base o "História Critico-Chronologico das Instituiçan da Festa, Procissam e Officio do Corpo Santissimo de Christo no Venerável Sacramento da Eucharistia", do Dr. Ignácio Barbosa Machado. Lisboa.1759.

José da Silva Mendes Leal, no 2. Acto da Comédia Os Primeiros Amores de Bocage, faz-nos um retrato da procissão á noite...