Paradigmas Educativos

Carlos Fontes

 

 

Uma das formas mais frutuosas de encarar as relações da escola e a sociedade é dada pelo modelo sistémico. As escolas, enquanto organizações, embora gozando de certa autonomia, não podem ser desligadas de um mundo mais vasto chamado sociedade que lhes determina os respectivos fins e condiciona os seus processos de mudança.

Para aplicarmos o modelo sistémico às escolas temos segundo Yves Bertrand e Paul Valois, de ter em conta três conceitos, o de "campo paradigmático", de "campo político" e de "campo organizacional".

O Campo Paradigmático, aqui restringido ao Campo Paradigmático Socio-Cultural, orienta as organizações educativas. Numa perspectiva sociológica pode ser entendido como o conjunto de concepções e generalizações e valores que englobam uma concepção de conhecimento, uma concepção das relações entre as pessoas, a sociedade e natureza, um conjunto de valores e de interesses, uma forma de executar, um significado global da actividade humana que definem e delimitam para um determinado grupo social, a dimensão possível do seu campo de acção e da sua prática social e cultural, assegurando, assim, a sua coerência e relativa unanimidade. É no campo paradigmático que são definidas as orientações da sociedade. Embora exista sempre um paradigma dominante, como iremos ver, este nunca é totalmente hegemónico, pelo temos que ter em conta em conta os contra-paradígmas. A inovação passa primeiro por eles.

O Campo Político é o espaço onde se opera a transformação das orientações definidas pelo campo paradigmático, materializando-as sob a forma de normas, leis e regras. Esta é a instância do poder, onde por isso se jogam as relações sempre assimétricas de interesses para definir o que é legítimo e ilegítimo, o aceitável e o inaceitável, a norma e o desvio.

O Campo Organizacional é a área das organizações concretas , onde não apenas as normas, as leis e as regras são transformadas em práticas, devido à sua ligação à esfera política. mas também, onde se concretizam um dos paradigmas educativos que se debatem no campo paradigmático. A sua acção contribuirá desta forma para alterar ou não a hegemonia do paradigma dominante.

Os autores acima citados, seleccionaram quatro grandes paradigmas educativos que percorrem as actuais escolas: Paradigma Industrial; Paradigma Humanista; Paradigma da Dialéctica Social e o Paradigma da Simbiosinérgico. Estes paradigmas são, quanto a nós, um bom ponto de partida para a abordagem desta problemática.

O Paradigma Industrial orienta-se para a reprodução da sociedade tal como existe. Neste sentido, valoriza a transmissão dos conhecimentos reconhecidos e os valores tradicionais. Estamos perante o paradigma oficial da educação, ligado aos grandes valores da racionalidade do mundo moderno, nomeadamente ao progresso material. A educação acabou por ser nele encarada como uma tecnologia social subordinada à economia. Numa perspectiva pedagógica orienta-se para a utilização, com a máxima eficácia, dos melhores meios para transmitir os conhecimentos e os valores (eficácia da comunicação educativa).

A subordinação da escola à economia não pode ser vista de forma tão linear. Basta equacionarmos a questão da finalidade do sistema educativo, para encontrarmos, por exemplo, duas posições muito bem definidas para enquadrar a questão da subordinação da escola à economia:

a) O sistema educativo, pode ter por finalidade reproduzir a estrutura da sociedade onde está inserida e se reproduzir. A escola vocaciona-se assim para sistemas sociais estáveis e fortemente hierarquizados, nos quais imprime aos valores que veicula, uma dimensão a-histórica e a-temporal ajudando desta forma a "naturalizar" a ordem social e económica dominante.

b) O sistema educativo pode também servir o sistema económico, como um mecanismo facilitador da adaptação social às mudanças julgadas pelo poder dominante como inevitáveis ou necessárias. Os sistemas educativos pelo seu processo de funcionamento produzem deste modo mudanças internas convergentes com as mudanças tecnológicas produzidas no contexto social. A escola funciona neste contexto não apenas na reprodução social da ordem estabelecida, mas na própria preparação das mudanças sociais que o sistema económico dominante necessita para se manter.

Em ambas as situações temos a subordinação da escola à economia, só que com enfoques diversos.

O Paradigma Humanista centra-se naquilo que afirma ser o desenvolvimento da pessoa humana nas suas múltiplas dimensões. Assume uma perspectiva crítica da subordinação das escolas à economia, recusando que as mesmas possam ter como finalidade a mera transmissão de conhecimentos, medidos pela sua quantidade e eficácia prática, em detrimento da construção dos saberes integrados que possibilitem aos alunos uma compreensão mais ampla do mundo e de si próprios. Diversas correntes pedagógicas tem defendido estas ideias, desde pedagogos ligados a movimentos políticos e filosóficos como o Anarquismo ou Personalismo, a movimentos mais pedagógicos como o da Escola Nova ou a Educação Progressiva , ou ainda teóricos como C. Rogers. Todos comungam dum mesmo pressuposto: as grandes mudanças da sociedade começam pela sua mudança dos indivíduos. Actuar nas escolas é a longo prazo contribuir para modificar a sociedade num dado rumo.

O Paradigma da Dialéctica Social assume claramente o propósito de modificar profundamente a organização da sociedade, abolindo as relações de exploração do homem pelo homem. A educação torna-se mais do que nunca um acto político, assumido e explicitado, e que deve conduzir os educandos à reflexão crítica da sociedade, nomeadamente dos seus mecanismos de alienação cultural. O pensamento marxista, e particular a Escola de Frankfurt, criaram as teses centrais desta corrente pedagógica.

O Paradigma Simbiosinérgico, o mais recente de todos os que foram indicados, é claramente uma resposta aos cenários mais catastrofistas sobre a degradação do meio ambiente e a necessidade de alterar o actual estado de coisas. A educação deve, segundo os seus teóricos, criar uma nova visão social, ecológica e espiritual da sociedade, tendo em vista a constituição de comunidades de vida e de trabalho diversas das actuais. Numa perspectiva pedagógica privilegia-se uma acção que leve os educandos a terem uma visão integrada da sua relação com o cosmos, abolindo as dicotomias sujeito-objecto, cultivando um conjunto de saberes que despertem o indivíduo para estas dimensões: um saber-fazer que tenha em conta não apenas o resultado das acções, mas também as suas consequências; um saber pensar que ultrapasse os aspectos meramente lógicos, para se situar numa análise crítica da sociedade e dos seus modelos de desenvolvimento; um saber viver, que forme os indivíduos para novas formas de convivialidade mais responsáveis e solidárias; um saber partilhar que tenha em conta a dimensão da comunidade como um todo; um saber dizer, como manifestação de uma nova comunicação que urge reinventar...

Em resumo, o ensino implica sempre uma escolha de uma dado paradigma, e qualquer opção implica sempre a escolha de um dado modelo de sociedade.

Carlos Fontes

 

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