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As Novas Competências 

dos Professores das Escolas Públicas

Carlos Fontes

 

 

I. Novas Exigências ?

No passado exigia-se apenas a um professor duas coisas essenciais: um bom domínio da matéria que ensinava e alguma criatividade para a transmitir de forma ordenada e compreensível. 

Os bons professores eram aqueles que se destacavam pelo domínio e actualização permanente dos saberes profissionais. Um excelente professor de filosofia ou de matemática impunha-se pela vastidão dos seus conhecimentos, mas também pela forma simples e clara como os transmitia.

Actualmente estas competências básicas estão secundarizadas nas escolas públicas em Portugal. Um professor que se reduza às mesmas arrisca-se ao mais completo fracasso profissional. O exercício da actividade docente requer hoje um conjunto mais vasto de competências, devido ao falhanço global da sociedade na formação dos jovens.

II. As Novas Escolas Públicas

As escolas públicas são hoje radicalmente diferentes das do passado. Os alunos são agora muito heterogéneos quanto à sua origem socio-económica, cultural e enquadramento familiar. Esta foi uma das grandes conquistas do regime democrático ao consagrar o princípio da escola de massas e inclusiva. Inúmeros jovens que no passado estariam excluídos pelas suas características de frequentar o ensino superior, podem agora fazê-lo com aproveitamento. 

Estes êxitos da escola pública foram possíveis porque a mesma deixou de fazer selecção dos alunos, flexibilizou os percursos escolares e os critérios de avaliação. As consequências imediatas foi o aparecimento de turmas com alunos que revelam entre si uma enorme diversidade quanto à sua maturidade intelectual, socialização, moralidade, comunicação, iniciativa, etc.   

Os professores do ensino secundário, por exemplo, começaram a deparar-se nas aulas com situações impensáveis no passado recente: alunos que não sabem falar ou escrever português, outros que sofrem de graves perturbações mentais ou com um longo cadastro criminal.

Se no passado apenas se preocupavam com os progressos intelectuais dos alunos, actualmente têm que acompanhar a sua vida privada se pretendem melhorar os resultados escolares. Como é sabido os conflitos familiares influenciam o comportamento e o aproveitamento do alunos, mas também as saídas nocturnas ou horas seguidas na Internet afectam a sua concentração nas aulas e por consequência seu rendimento. Aspectos que é suposto agora um professor estar atento.

Trata-se de um tipo de intervenção que excede em muito a vocação tradicional das escolas e as competências dos professores, mas que se tornou necessária com a crescente demissão dos pais da sua função de educadores.

III. Situações Extremas

Com a massificação do ensino,  aumentou de forma exponencial o número de alunos problemáticos. A situação foi ainda mais agravada quando as próprias famílias passaram a provocar cenas de violência dentro e fora das escolas agredindo professores e funcionários. 

É notória impreparação dos professores para lidar com estas situações, pois as mesmas requerem um novo tipo de competências. Como se tudo isto não bastasse os professores deixaram de ter qualquer autonomia para agir, sendo a sua autoridade posta em questão.   

1. Alunos 

Qual deve ser a atitude de um professor quando todas as advertências verbais a um aluno deixam de funcionar ? Quando este o provoca para ser expulso das aulas ? E se estiver perante um "gangue" na sala aula, o que fazer ?

As salas de aula são sempre locais de constrangimento e marcadas por relações assimétricas entre o professor e os alunos. A cultura actual das sociedades ocidentais tende a recusar estes constrangimentos e autoridade. É por esta razão que os alunos passaram a encarar as aulas como locais de diversão (sem constrangimentos) e a contestarem a autoridade dos professores (igualização dos estatutos). Tudo está posto em causa: o ensino, a escola, as regras, os programas, os conteúdos, os métodos, as aulas, etc. 

As aulas tornaram-se no espaço por excelência para a manifestação dos "pequenos ditadores"  "educados" em famílias desestruturadas ou permissivas. Tratam-se de crianças e jovens que não aceitam ser contrariados e desesperam facilmente quando lhes são dadas tarefas que exigem concentração. As únicas aulas suportáveis são as que oferecem uma permanente animação.

Os problemas mais complexos envolvem todavia alunos que apresentam sinais de maus-tratos, distúrbios mentais, consumo de  drogas ou que pertencem a "gangs" que actuam dentro e fora das escolas. O consumo de drogas tem funcionado como um verdadeiro catalizador das práticas violentas nas escolas.

Muitos actos de violência são praticados por simples diversão. Grupos de alunos hostilizam, difamam, ameaçam ou perseguem as suas vítimas de forma deliberada e repetida sem qualquer motivo aparente. Fazem-no porque já lhes fizeram o mesmo ou porque ouviram dizer que o faziam noutros países (imitação).  

Todos os anos um número indeteminado de professores são insultados ou agredidos por alunos, mas só muito poucos participam estas ocorrências . Porque não o fazem ? Uns afirmam que tem medo das represálias, outros dizem que é por vergonha. 

Violência nas escolas públicas em Portugal* 

Ano lectivo 2006/2007

185 agressões a professores  

147 agressões a funcionários
7.028 ocorrências participadas no interior e exterior das escolas
1.700 agressões, tentativas de agressão ou ofensas físicas 
1.830 casos de furto

218 vítimas que receberam tratamento hospitalar (dados de 2004/5)

13 armas de fogo apreendidas
165 armas brancas apreendidas
25% do crime juvenil foi praticado nas escolas

* Não inclui as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Fonte: Escola Segura

Vários estudos tem mostrado que os professores são os primeiros a desculpabilizar os agressores, atribuindo a responsabilidade à sociedade, aos pais e às escolas, mas também a si próprios. Está generalizada a ideia entre os professores que denunciar a agressão de um aluno é uma manifestação publica da sua incompetência para controlar as situações e cumprir as suas funções. Os professores sentem que estão a diminuir-se perante os seus pares, o que tem consequências na sua auto-estima. Por esta razão a maioria não participa a agressões que é vítima. As aulas acabam por tornar-se num súplicio que só é suportável através de uma atitude de indiferença ou permissividade total. 

Este silêncio dos professores tornou-se num dos principais problemas para atacar a violência nas escolas, na medida que acaba por fomentar o sentimento de impunidade dos próprios alunos.

O que fazer ? No caso de ser agredido: 1. Mantenha a calma; 2. Mande chamar um elemento do Conselho Executivo (director); 3. Faça uma participação do aluno; 4. Participe o caso à Polícia.
 
  

2. Famílias

Qual deve ser a atitude perante pais que procuram o confronto físico ou revelam um total descontrolo emocional ?

Nos últimos anos banalizaram-se as agressões a professores e funcionários por parte de familiares e amigos dos alunos. Todos afirmam  "vingar" alunos por ofensas ou punir comportamentos incorrectos dos praticados nas escolas.   

Nas regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto as agressões estão institucionalizadas, e são frequentemente assumidas como uma forma de "educação" dos próprios professores.

Escola do Ensino Básico do Bairro da Boavista (Lisboa). Os pais de um aluno entraram na escola, dirigiram-se para a sala de aula e à frente dos alunos agridem a professora (Abril de 2008). A escola é considerada "problemática", o mesmo é dizer, casos destes são frequentes. 

O caso da EB São Gonçalo, no Lumiar (Lisboa), ilustra claramente esta situação. Em 2006 uma professora é agredida pelos pais de uma aluna. O que levou a terem este comportamento? O seu filho de 13 anos fora chamado à atenção pela professora quando atirava cascas para o chão. Apesar de todas as tentativas para silenciar o caso, os professores resolveram fechar a escola em sinal de protesto (Junho de 2006). Neste mesmo ano, os tios de um aluno com a mesma impunidade invadiram a escola e agrediram as pessoas que encontraram pela frente, sem qualquer explicação. Em Dezembro de 2007, a mãe de um aluno é detida pela polícia depois de agredir vários professores da escola e injuriar as próprias autoridades. 

No bairro do Cerco (Porto) uma professora de 1.º ciclo foi agredida violentamente pela mãe de uma aluna, à porta da escola onde lecciona (Março de 2007).

Na Escola Básica do 1.º ciclo de Campinas, também no Porto, o avô de um aluno resolve agredir um professor numa aula de desporto, inserida nas actividades de enriquecimento curricular. O professor teve de ser assistido no Hospital de Matosinhos com lesões na face (Março de 2007). Dias antes na mesma escola um pai havia agredido um professor por este ter admoestado o filho. 

Fora destas áreas metropolitanas as situações de agressão repetem-se tanto em meios urbanos como rurais.

Na Escola do EB de Repeses (Viseu), a 20 de Setembro de 2000, a mãe de uma aluna entra pela sala adentro de uma professora e à frente de todos os alunos espanca-a, provocando-lhe graves traumatismos e danos psicológicos. Em tribunal apurou-se que as agressões se ficaram a dever ao facto da mãe da aluna discordar da roupa que a professora emprestara à filha quando esta ficou molhada ao urinar nas calças.   

Na Escola do EB de Santa Maria, em Beja, 11 familiares de um aluno invadiram a escola, vandalizaram as instalações e agrediram todos os que encontram para se vingar de um funcionário que havia posto fim a uma discussão entre o aluno e uma colega (Novembro de 2007). 

Muitas destas agressões praticadas em grupo envolvem alunos que pertencem a certas comunidades étnicas, sendo as mesmas assumidas como uma clara afirmação do seu poder e impunidade. Esta ligação é raramente referida na comunicação social, de modo a não potenciar leituras racistas do fenómeno.  

O que fazer ? 1.Mantenha a calma; 2. Comunique o caso ao Conselho Executivo; 3. Faça uma participação à Polícia.
 

3. Direcções das Escolas

Que atitude tomar perante o orgão de gestão da escola quando este encobre de forma sistemática comportamento intoleráveis de pais e alunos contra professores ?  

O silêncio cumplice das escolas são mais frequentes do que se possam pensar. Tem-se verificado que a maioria das direcções das escolas tende a culpabilizar os professores. Trata-e de uma atitude que as protege de possiveis críticas dos pais, alunos e do próprio Ministério da Educação. A regra seguida tem sido o da extrema discrição de modo a ocultar estas situações dentro e fora da escolas.

As justificações para esta atitude são essencialmente três: proteger a "imagem" ou "reputação" da escola; proteger os alunos, evitando que os mesmos sejam "julgados" na praça pública, mas também impedir efeitos de contágio por imitação;  proteger a privacidade dos professores e a sua reputação profissional. 

A ocultação imposta acaba por condicionar as medidas correctivas que são aplicadas, sendo em geral muito leves para situações gravissimas. Acontece que os alunos que as praticam se não forem devidamente punidos, sentem-se impunes e não tardam a repeti-las.O seu exemplo acaba por estimular outros a fazerem o mesmo, e desta forma as escolas veem-se envolvidas numa espiral de violência.

Na escola 2/3 Secundária de Tarouca, um grupo de alunos tem-se entretido a agredir funcionárias e insultar professores. Apesar de ser uma prática recorrente, a escola ocultou a situação. A polícia só foi chamada a intervir dois anos depois da primeira agressão, quando uma funcionária foi de novo hospitalizada (14 de Março de 2008). 

Na Escola EB 2/3 Secundária D. Maria II, em Vila Nova da Barquinha, um aluno agrediu 3 professores. Foi necessário chamar a polícia para o deter, mas mesmo assim conseguiu fugir. Na fuga ainda teve tempo para assaltar a viatura de um professor e furtar-lhe objectos pessoais. A pena aplicada foi de apenas 2 dias de suspensão. Um jornal local (O Mirante,1/11/2007) acusou a escola de ter procurado silenciar o caso.  

O que fazer ? Se sentir que a direcção da escola não o protege, nem comunica o caso à polícia faça-o voçê mesmo. 

4. Ministério da Educação

Como agir perante políticos que denegrirem a imagem pública dos professores? Ou lhes atribuem todas as responsabilidades pelo insucesso escolar? 

O Ministério da Educação (ME), através das Delegações Regionais procura transmitir uma aparência de normalidade, mesmo quando a mesma não existe. A solução encontrada foi impôr o silêncio nas escolas e arrastar o processos no tempo de modo a que as agressões sejam esquecidas. O responsável por esta área no ME durante 22 anos, reconheceu recentemente que a maioria dos casos nem sequer é investigada (RTP,28/3/2008).

O que se tornou corrente no ensino não superior já alastrou às próprias universidades, onde se multiplicam as agressões verbais e físicas a professores. 

Durante dois anos, entre 2004 e 2006, um professor da Universidade de Évora foi perseguido e agredido por um aluno. A Universidade alegou que nada podia fazer, o Ministro da Ciência e Tecnologia manteve-se igualmente em silêncio. O professor acabou por apelar à intervenção da Polícia, denunciando o caso na Comunicação Social. Multiplicam-se os casos de professores universitários portugueses que são insultados em sites cujos autores se refugiam no anonimato. 

O que fazer ? Comunique o caso à polícia. 

5. Comunicação Externa

O deve fazer o professor quando a comunicação social o procura instrumentalizar divulgando notícias a seu respeito ? E quando alunos publicam na internet notícias que mancham a sua reputação profissional ?  

As cenas de violência que se passam nas escolas e em particular nas salas de aula tornaram-se agora num espectáculo público. Muitas vezes trata-se de "cenas" combinadas entre os alunos que depois são filmadas com telemóveis. A maioria das vezes as imagens circulam apenas entre si, mas outras estão a ser colocadas na internet. 

No dia 27 de Junho de 2007, no "YouTube" apareceu o primeiro video de uma cena de disturbios numa sala de aula em Portugal. Enquanto a professora dava a aula um grupo de alunos ostensivamente cantava e batia nas mesas procurando impedir o seu prosseguimento.

No dia 14 de Março de 2008 é colocado um novo video, no qual se pode ver durante cerca de 2 minutos uma aluna a agredir uma professora por causa de um telemóvel na Escola Secundária Carolina Michaelis, no Porto. 

Em Abril de 2008 um novo vídeo mostra a banalização das situações anteriores. Numa escola profissional na Figueira da Foz um aluno ensaia em plena na sala de aula a agressão a uma colega. O video que foi colocado na internet mostra a agressão, mas também a satisfação do aluno que filmou e presenciou a cena. A indiferença é total.   

A amplificação destas situações pela comunicação social se tem um aspecto positivo, o de revelar dimensões ocultas da realidade, pode também ter efeitos negativos por contribuir para a banalização destes actos e estimular a sua imitação por alguns alunos.     

O que fazer ? 

 

IV. Novas Competências

Não há receitas milagrosas para o exercício da profissão docente em escolas onde o saber está desvalorizado. As novas competências que são exigidas aos professores são de uma natureza bem distinta das anteriores.

a )  Perturbações Emocionais. Na sala de professores passou a ser frequente observarem-se professores aterrorizados por terem de enfrentar turmas onde os alunos passam o tempo a procurar o "confronto". Nestas situações os docentes têm a clara percepção que o mais pequeno descontrolo emocional pode ser explorado por alguns alunos para os fragilizarem.  A partir do momento que sejam apontados como "fracos" dificilmente conseguirão manter a disciplina nas aulas, e o ano lectivo será passado a relembrar regras obrigatórias que nenhum aluno irá acatar. Este facto deixa-os num constante estado de tensão e ansiedade, retirando-lhes o sono e até provocando-lhes distúrbios psicológicos. 

Ora numa turma onde existam dois ou três delinquentes a gestão dos conflitos na sala de aula pode-se tornar num sério problema que requer um apoio externo para os enfrentar.    

O conhecimento e domínio das emoções em situações de grande tensão dentro e fora da sala de aula tornou-se numa das novas competências que são exigidas aos professores.   

b ) Distúrbios Psicológicos.

c ) Criminalidade Juvenil. 

d ) Assistência Social e Familiar 

e ) Técnicas de Autodefesa.

f ) Direito. O comportamento violento dos alunos e das suas familias contra professores, mais do que uma questão de perturbação do normal funcionamento das aulas, desrespeita os seus direitos mais elementares: Direito à Dignidade, Integridade Física, Propriedade, Liberdade, etc. Esta dimensão do problema só agora está a ser devidamente realçada. A formação adequada dos professores no campo do Direito é hoje um requisito básico para o exercício da docência.

A aquisição destas competências com um mínimo de eficácia, implica a secundarização dos saberes disciplinares, o que conduzirá o sistema educativo para um crescente empobrecimento. A única saída para continuar a sustentar a função dos professores como remediadores dos fracassos da sociedade actual está no trabalho cooperativo e interdisciplinar nas escolas, o que implica dotá-las de especialistas nos diferentes domínios. 

 

Carlos Fontes, Maio de 2008

 

Carlos Fontes

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