Ensino da Filosofia (II)

Carlos Fontes

 

A escola de massas alterou por completo as condições em que decorreu durante séculos a prática deste ensino da Filosofia. Foi o ponto de partida de J. Neves Vicente e que o levou a definir um Paradigma Organizador da Ensino da Filosofia Enquanto Disciplina Escolar do Educação Secundária.

Ensino Filosófico de Massa

A justificação da necessidade deste novo paradigma, decorre da constatação que houve uma alteração quantitativa e qualitativa do novo público escolar no ensino secundário.Os alunos que hoje frequentam as aulas de Filosofia já não são oriundos duma minoria social privilegiada. Esta disciplina deixou de ser o coroamento de uma formação humanística que era ostentada como um traço distintivo de pertença a uma elite social ou cultural. De um ensino filosófico para uma elite passou-se a um ensino filosófico de massa. Grande parte dos alunos que frequentam hoje o secundário, como afirma este autor são linguistica e culturalmente muito mais deficitários do que a elite das décadas anteriores. Facto que explicará em parte, a actual desqualificação do ensino da Filosofia, mas também para a sua banalização

A Justificação do Ensino da Filosofia

Perante esta educação de massas, coloca-se com toda a acuidade a questão se os actuais alunos possuem ou não capacidade para acompanhar um tal ensino, atendendo ao facto de serem oriundos de famílias no seio das quais, as grandes questões filosóficas não suscitam qualquer preocupação. Face a este panorama, numa lógica segregacionista, muitos são os que defendem a sua substituição por matérias mais facilmente instrumentalizáveis pelos alunos oriundos de meios desfavorecidos.

Em termos internacionais, a questão da continuidade deste ensino é posta em termos de tradição escolar. Em muitos países, como os anglo-saxónicos, a Filosofia é ensinada apenas ao nível do ensino universitário, dado que se considera que o seu ensino não é indispensável para qualquer cidadão, mas também requer uma grande maturidade e formação escolar de base. Nos restantes países, entre os quais se destacam os países latinos, o ensino da Filosofia é ensinado no secundário, sustentado pela convicção socialmente partilhada que o mesmo é indispensável para formação de qualquer cidadão, postulando-se por consequência, a educabilidade filosófica de todos.

O problema não é pacífico, nomeadamente no contexto da escola de massas, onde são inúmeras e constantes as pressões para nivelar por baixo todo os conteúdos de ensino, e para retirar dos currículos as matérias que exijam um maior trabalho intelectual.

Obstáculos ao ensino da Filosofia

A prática do ensino da filosofia na escola de massas, não deixa de ser igualmente controversa por motivos filosóficos. Ultrapassando a questão se a filosofia é ou não ensinável, as questões que agora vamos referir, prendem-se com o sugestivo roteiro de obstáculos que se colocam ao seu ensino, e que foram identificados por J. Neves Vicente. Entre os mesmos seleccionamos seis que consideramos de grande relevância para a análise desta questão.

O primeiro obstáculo ao ensino da filosofia decorre da própria relação entre o professor e o saber. Sem uma procura efectiva do saber por parte do professor, como pode este ensinar aos seus alunos esta via ? Esta questão não é todavia exclusiva dos professores de Filosofia, mas antes constituiu uma questão prévia que se deve colocar ao exercício de qualquer actividade docente.

O segundo obstáculo está na resistência que muitos professores universitários e do secundário têm em pensar a filosofia como uma "disciplina escolar" do/no ensino secundário. O ensino da Filosofia é identificado como um espaço de investigação, segundo uma matriz universitária. O resultado são práticas lectivas autistas. Ao nível do secundário, os professores têm que ter presente três exigências básicas:

- O ensino tem que se reportar sempre à Filosofia, às suas problemáticas, lógicas discursivas, história, sob pena de ser outra coisa que não Filosofia;

- Como disciplina escolar, não pode deixar de ter em conta os alunos para os quais se dirige, e o desenvolvimento de novas metodologias para o seu ensino;

- Como uma disciplina integrada num dado curriculum formativo, não pode esquecer as finalidades que são prosseguidas neste nível de ensino.

O terceiro obstáculo está na resistência em reconhecer a legitimidade da didáctica da filosofia, ou com maior rigor, em admitir a "didactização do trabalho filosófico". A didáctica, tem sido encarada não apenas como inútil à Filosofia, mas também como um malefício, na medida que tende a fragmentar o que é uno, simplificar o que é complexo, vulgarizar o que é profundo, alimentando a superficialidade tão do agrado dos que evitam o esforço de pensar. A alternativa a esta posição de princípio é postular que ser professor ou filósofo é um dom inato. Os que o possuem ensinam sem aprender, ou pensam filosoficamente sem necessidade de mestres. Em qualquer dos casos, estamos perante receitas que já não se coadunavam com as antigas escolas secundárias do passado, e muito menos com as actuais.

O quatro obstáculo está na falta de consenso sobre as finalidades e os objectivos específicos do ensino da Filosofia na educação secundária. Neste ponto existe uma total dispersão de ideias, situação que revela a forma como o peso da tradição deste ensino, acabou por desvalorizar a reflexão sobre a sua própria prática.

O quinto obstáculo é a predominância de uma lógica do ensino sobre uma lógica da aprendizagem. Os professores tem orientado a sua acção segundo um modelo produtivista, isto é, fragmentam constantemente as matérias em conteúdos prontos para serem assimilados e rapidamente memorizados, para serem depois reproduzidos nos momentos padronizados de "avaliação". Todo o trabalho mais profundo de construção de saberes pelos alunos é simplesmente abandonado. A alternativa proposta está em centrar o ensino no aluno, na construção dos seus saberes, valorizando a elaboração de recursos didácticos diversificados pelos professores.

O sexto obstáculo consiste na resistência que os professores de filosofia concedem às mediações didácticas e/ou na dificuldade em concebê-las e fazer uso delas. O exercício de filosofar por parte do professor, ainda que seja feito perante os alunos, não garante só por si o exercício do filosofar por parte dos alunos, a não ser por parte de uma minoria muito motivada, próxima do professor cultural e linguisticamente. A superação desta distância exige da parte do professor a elaboração de mediações didácticas, ou seja, a confecção de dispositivos, o desenho de tarefas, a construção de actividades, a criação de guiões de trabalho, etc., que coloquem os alunos no caminho de pensarem por si mesmos, de filosofarem, caminho que eles e só eles hão-de percorrer ainda que guiados ou apoiados em instrumentos fornecidos pelo professor. A elaboração destes percursos faz parte da competência do professor.

As ideias para um novo paradigma de ensino da Filosofia, são mais pobres do que a sistematização dos obstáculos. Estamos perante um domínio em que todos os métodos pedagógicos são falíveis. O autor reafirma o postulado do direito à filosofia para todos e a educabilidade da filosófica de todos (1), mostrando que o seu ensino no secundário deverá alicerçar-se na criação de um espaço próprio, sejam compatibilizadas três tipos de exigências: a especificidade da Filosofia; a adequação da prática lectiva às características dos alunos, e por último, o respeito pelos objectivos formativos que estão fixados para este nível de ensino(2). Postula também que ensino deverá ser centrado na aprendizagem e não somente na transmissão de conteúdos (3), implicando por isso o seu contínuo desdobramento para efeitos didácticos, em grandes operações intelectuais em que se materializa o pensamento e o discurso, e que são designadamente a conceptualização, a problematização e a argumentação (4). Face à necessidade de gerir pedagogicamente a democratização do acesso à filosofia, recomenda-se como imperativo didáctico a diferenciação pedagógica de modo poder corresponder à heterogeneidade socio-cultural dos novos públicos escolares (5). Por último, a avaliação deverá de ser de natureza formativa e fazer parte integrante do próprio processo de ensino aprendizagem (6).

O assunto merece uma abordagem mais ampla. Voltaremos em breve a este tema.

Carlos Fontes

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