Isidorus Hispalensis, Isidoro de Sevilha, Santo Isidoro

O Círculo de Estudos Isidorus Hispalensis, fundado em 2022 na freguesia de Santo Isidoro (Mafra) tem como objectivo divulgar e reflectir sobre a obra de isidoro de Sevilha, em particular sobre a sua influência na cultura portuguesa.

Culto e Milagres

No período medieval, um santo era um modelo de fé inabalável em Deus. Aos olhos da comunidade a sua fé, muitas vezes com sacrifício da própria vida e renúncia dos seus interesses e prazeres particulares, conferia-lhe uma relação privilegiada com o sobrenatural. Do santo espera-se que interceda perante Deus a favor do crente, que intervenha directamente na sua vida salvando-o de situações vitais, seja um companheiro, protector e guia invisível, atento ao seu estado desde o nascimento até à morte. O crente retribuiu-lhe com uma atitude de respeito e veneração, celebrando com festejos o dia da sua morte. O culto a Isidoro de Sevilha sofreu ao longo dos séculos muitas oscilações. A sua dupla condição de santo e sábio, fez com que desde muito cedo fosse objecto de culto em Sevilha. O incremento do seu culto ficou, contudo, a dever-se a Fernando I, rei de Castela e Leão quando realizou a sua trasladação para León. A partir de então, multiplicaram-se os milagres que lhe foram atribuídos antes e depois deste acontecimento. A sua vida em Sevilha, e sobretudo a hora da morte, passou a ser descrita de forma a exaltar as suas santas qualidades e dons de profecia. Quando foi retirado o seu corpo da sepultura, todos os que o presenciaram sentiram um doce perfume. A luz foi restituída aos cegos, restabelecida a audição aos surdos, eliminaram-se os espíritos imundos dos possessos, os paralíticos passaram a andar e muitos outros milagres aconteceram. Uma multidão em pranto assistiu à sua partida de Sevilha. O próprio rei muçulmano chorou. Privada da sua protecção, a cidade e arredores foram surpreendidas por um inesperado e forte nevão que nada deixou para colher nas vinhas, oliveiras ou nas figueiras. Em León, pelo contrário, viveram-se dias de festa e de fartura.

O percurso das relíquias entre as duas cidades foi repleto de milagres. Em Salamanca, onde chegou a 22 de Dezembro de 1062, só foi possível retirá-las após a promessa da construção de uma Igreja, milagre registado pelo cronista Gil González DÁvila (1480-1526). Quando as relíquias passaram pelas aldeias de Villafrechós e Pozuelo onde grassava a peste, após um ferveroso pedido de intercessão ao santo, a mesma desapareceu.

Dois episódios de vida

Da sua vida em Sevilha conhecem-se várias versões, de dois episódios bastante elucidativos da santidade e inteligência do Santo, que vamos transcrever de uma obra do século XVI.

No primeiro, atribui-se-lhe uma natureza sobrenatural, identificada pelas abelhas que encontram nele a colmeia para produzirem o mel. O simbolismo é evidente neste episódio:

"Este santo sendo menino de peito, foi deixado por sua ama por esquecimento num horta entre a hortaliça, estando seu pai noutra parte da horta, viu grande multidão de abelhas que faziam grande zumbido. Chamou seus servos e foi ao jardim, e viu que daquelas abelhas, duas entravam e estavam na boca do menino, e outras teciam favos de mel sobre o rosto e o corpo do menino (como lemos no bem aventurado Ambrósio). Vendo isto o pai, com grandes vozes e lágrimas abraçou o menino, e as abelhas voaram tão alto que não se podiam ver."

O segundo, descreve a sua capacidade de observação, curiosidade e humildade para buscar com outros a resposta aos problemas com que se depara:

"Sendo moço de idade para começar a aprender, foi mandado a Sevilha a São Leandro seu irmão, e foi posto no estudo das letras. E parecendo-lhe a ele que não tinha habilidade para as letras, e temendo (como mínimo) os açoites do mestre fugiu da escola e da cidade. E cansado do caminho se assentou na borda de um poço, e viu uma grande pedra que aí estava toda furada com grandes buracos e viu também um madeiro em cima, cavado com alguns canais. E revolvendo em si mesmo, e cuidando como se faria aquilo, veio uma mulher buscar água ao poço, e disse-lhe o moço. Rogo-vos que me digais de que seriam os buracos na pedra e os canais deste pau. Respondeu a mulher. Esta pedra foi furada do continuo estilhaço das gotas de água, e o pau da cava da corda tira a água do poço. Tomando em si o moço, disse. Se a pedra duríssima é da água furada somente pelo frequente uso, e o pau com a corda pelo mesmo modo cavada, porque eu homem, aprendendo cada dia não aproveitarei da ciência. E ali se tornou para Sevilha, e com muita humildade se sujeitou ao mestre. E tanta graça lhe concedeu Deus, que tudo o que ouvia dos mestres lhe ficava na memória".

Um coisa é certa, com tão poderosas relíquias, a cidade que o adoptou como patrono reunia condições para lutar pela supremacia esclesiástica na Península Ibérica, enfrentado igual intenção de Toledo, Braga ou Santiago de Compostela.

Inicialmente, a colegiada, agostineana estava na dependência do bispo de León. Foi um nobre portucalense, com formação universitária - Dom Menendo (Mendo) - que a colocou sob a dependência pontifícia, tornando-se no seu primeiro abade (1155-22 de Maio de 1167) . Durante o seu abaciado funcionou em pleno o scriptorium e foi aumentada notavelmente a biblioteca capitular. Foram estabelecidas fortes ligações durante séculos a dois mosteiros dos agostinhos em Portugal: Santa Cruz de Coimbra e São Vicente de Fora em Lisboa. Da diocese de Braga, no século XII, chegaram até nós dois breviários manuscritos com a vida de Santo Isidoro. Muitos milagres, como dissemos, lhe foram atribuídos envolvendo inclusive portugueses. A maior de todas as compilações - Miraculi Sancti Isidori (1221-1239) é da autoria Lucas de Tuy (c.1195-c.1249), cónego regular na Colegiada e depois bispo de Tuy. Esta obra foi escrita a pedido de Frei Soeiro Gomes, português, primeiro provincial dos dominicanos na Península Ibérica e do doutor Martin ( ?-1203), abade da colegiada.

O desinteresse dos reis de Leão e Castela pelo panteão real a partir do século XIII acabou por limitar a expansão do seu culto na Península Ibérica, mas não a difusão das suas obras nos meios intelectuais. Dante Alighieri na Divina Comédia (1317-1319), quando procurava por Beatriz no Paraíso (Canto X, 44) descobre Isidoro, na companhia de Beda, o Venerável (573-738) e de Ricardo de S. Vitor (?-1173), três dos homens que considerava terem mais elevado intelectual e espiritualmente o Ocidente.

A mais antiga representação de Isidoro é leonesa e data da primeira metade do século XII. Trata-se de uma escultura de vulto, esculpida no portal do Cordeiro, da Colegiada, onde figura a par de São Paio (Pelayo) patrono do templo pré-existente. Na sua iconografia mais comum, tal como o seu irmão Leandro, surge como bispo, com mitra e báculo, símbolos da dignidade episcopal, segurando um livro aberto, em alusão às suas obras. Em Espanha aparece, também, como um santo guerreiro, vestido de bispo, a cavalo, com uma cruz na mão esquerda e uma espada na direita, simbolizando a sua aparição milagrosa na tomada de Baeza aos muçulmanos em 1147, rivalizando com Santiago na protecção aos cristãos na reconquista da Península Ibérica.

Relicários. Como atrás se referiu, León possui as mais significativas relíquias de Santo Isidoro. Todavia, em 1790 Sevilha conseguiu uma do seu santo patrono que ficou depositada no palácio arcebispal. A fim de ter maior visibilidade em 2019 foi trazida para a catedral. O mosteiro do Escorial também possui uma relíquia, e tendo em conta a difusão do seu culto, é bastante provável que nos muitos relicários de Portugal, também exista relíquia do Santo.

Milagre da chuva

É dos mais conhecidos milagres que lhe são atribuídos, semelhante a um ocorrido em Portugal. Lucas de Tuy refere que no ano de 1158 houve uma grande seca na região de Léon. Os camponeses resolveram retirar os restos mortais do Santo e levá-los em procissão pelos arredores da cidade pedindo-lhe que os acudisse fazendo chover.

Quando estavam perto de Trabajo del Caminho começou a chover copiosamente. Quando quiseram retornar para a basílica não os conseguiram levar. Tornaram-se demasiado pesados. A infanta Sancha, muito devota de Santo Isidoro, ao saber do que haviam feito foi no local, durante três dias ali ficou em penitência e oração, prometendo ao santo que o seu corpo jamais sairia da basílica. Ao fim deste tempo, o insuportável peso desapareceu e os restos mortais puderam regressar à basílica. Em memória deste milagre todos os anos a cidade de Léon passou a dar à basílica um círio de uma arroba “comprida” e duas tochas de cera (hachas de cera). Trata-se de uma oferta ou de uma obrigação (foro) para com o Santo? Esta questão todos os anos é debatida em Léon na chamada Fiesta das Cabezadas (25 de Abril). Não foi o primeiro dos seus milagres em que fez chover. Legendários medievais, contam-nos que Gregório Magno, papa que em Constantinopla manteve uma estreita amizade com o seu irmão Leandro, o chamou a Roma. No regresso, encontrou uma grande seca nas Gálias e Hispânia. Após a sua intercessão, a seca terminou, a saúde da terra e das pessoas foi restaurada.

Sobre a chuva, nos seus escritos Isidoro trata-a como um fenómeno decorrente da evaporação da água do mar, mas adverte para a interpretação simbólica: “As nuvens (…) simbolizam os apóstolos e doutores (da Igreja). As chuvas das nuvens são as palavras dos apóstolos que caiem gota a gota, isto é, em sentenças que vêm e infundem abundantemente a fecundidade da doutrina”.

 

 

 

 

Contactos

CEIH - Carlos Fontes

Junqueiros, Santo Isidoro, Mafra